O excesso de liberdade para tributar, conferido aos Estados pelo constituinte de 1988, com a possibilidade não só de variação de alíquotas, mas também de redução de base de cálculo das mais diversas formas, tornaram o ICMS um imposto de péssima qualidade. Contribuíram para isso também as possibilidades de burla às regras de isenção sem qualquer sanção aos gestores dos Estados, com total ineficácia da Lei Complementar nº 24 de 1975, com desrespeito generalizado dos Estados às regras de unanimidade do Confaz, numa deflagrada guerra fiscal.
Pressionados por uma despesa crescente, os governos estaduais foram deformando o ICMS até que ele se tornasse um IVA completamente disfuncional, onde o imposto incide sobre ele próprio, onde vigoram regimes tributários que distorcem a economia e uma infinidade de incentivos fiscais, muitos deles secretos e pouco republicanos.
Para piorar, atualmente não se pode falar de um único ICMS, mas de vinte e sete – já que cada Estado disciplina de maneira distinta o seu, e o contribuinte que se vire para entendê-los, carregando os riscos inerentes à insegurança jurídica em suas interpretações. Os créditos de mercadorias provenientes de outros Estados são tratados com desconfiança pelas secretarias de fazenda, que muitas vezes procedem à glosa dos mesmos e à aplicação de pesadas multas sobre os contribuintes. Não há clareza de quais insumos dão direito ou não ao crédito; exportadores não conseguem ressarcimento tempestivo de seus haveres contra a fazenda pública. No quadro geral, a bagunça do ICMS fez do contencioso tributário uma das indústrias mais rentáveis do País somente para alguns.
O Congresso Nacional fará bem ao País se eleger o ICMS como tema prioritário da reforma tributária. É importante que no novo ICMS as alíquotas possíveis sejam padronizadas por resolução do Senado, e que aos Estados só possam reduzir carga tributária reduzindo suas alíquotas (entre aquelas possíveis), sendo vedado fazê-lo reduzindo base de cálculo, sancionando-se pesadamente aqueles que descumpram tal regra. Essa é a abordagem preconizada pela proposta Simplifica Já, consubstanciada na emenda substitutiva global nº 144 à PEC nº 110 (de autoria do saudoso e combativo Senador Major Olímpio e subscrita pelo Senador Nelsinho Trad), e que, além do ICMS, disciplina e harmoniza outros tributos federais, bem como os ISS dos milhares de municípios.
Além disso, privilegiando a transparência, deve-se eliminar a prática da cobrança do ICMS “por dentro”, onde o imposto integra sua própria base de cálculo, já que assim o contribuinte e o consumidor enxergarão na nota fiscal a alíquota efetiva, e não somente a nominal. Também é necessário permitir que todas as aquisições de insumos – diretos ou indiretos –, deem direito a crédito. Por fim, que sejam unificadas as 27 legislações estaduais em uma única lei complementar nacional, e que se instaure um comitê gestor nacional para o novo ICMS, com poder meramente regulamentar para uniformizar as milhares de normas infralegais e obrigações acessórias.
Não é preciso mudar a competência do ICMS da origem totalmente para o destino para resolver a guerra fiscal. Basta a implantação de um sistema eletrônico que apresente não só a emissão de nota fiscal eletrônica padrão único nacional, mas também guia única de recolhimento, câmara de compensação entre os Estados automatizando a arrecadação, e controle das contas gráficas dos contribuintes pelo comitê gestor, retirando a necessidade de o contribuinte manter a contabilidade fiscal. Com isso, além de o controle dos créditos nas operações interestaduais ficar bem mais rigoroso, retira-se a complexidade das mãos do contribuinte, devolvendo-a ao fisco.
A vantagem dessa abordagem é que ela trará segurança jurídica às empresas, já que no novo ICMS estariam preservados os incentivos fiscais concedidos nos Estados produtores, obedecidos os limites das regras gerais. Com ela, apenas seria eliminada, nas operações interestaduais, a “fabricação de créditos fiscais” que não se originaram de pagamentos financeiros reais – e que são usados pelos Estados produtores como uma espécie de “subsídio” cujo custo acaba sendo bancado pelo Estado de destino da mercadoria, isto é, com o “chapéu alheio”.
Sob o novo ICMS, as alíquotas interestaduais não precisam e nem devem ser reduzidas a zero (100% no destino), até porque isso abre mais margem a fraudes, como as que têm ocorrido em grande escala no IVA europeu (164 bilhões de euros em fraude e evasão em 2020). Basta a previsão de uma alíquota interestadual de 4%, por resolução do Senado Federal, com isso se evitando a necessidade de fundos de compensação.
O novo ICMS preconizado pelo “Simplifica Já” corrige os vícios do sistema atual sem experimentalismos teóricos e apostas arriscadas para a economia brasileira, para as empresas ou para os entes federativos, que consideram somente o princípio da neutralidade, mas ignoram totalmente os princípios da simplicidade e da praticabilidade. Tem o mérito, portanto, de abordar e resolver os problemas de maneira pragmática, contrastando com a notória complexidade de funcionamento de outras propostas, cujo funcionamento adiciona incerteza ao já caótico quadro econômico nacional.* Sobre o autor: Economista e Secretário Municipal de Finanças e Planejamento de Campo Grande/MS | pedro.pedrossian@gmail.com / Doutor pela USP, Professor no Insper e Coordenador do Simplifica Já | albertomacedo@@gmail.com